LEO/MEO: o novo cenário na indústria espacial

Espacial

O setor de satélites esteve presente na semana passada no congresso da Futurecom 2022, o maior evento de tecnologia, telecomunicações e transformação digital da América Latina. O painel LEO, MEO e o Space as a Service: uma nova era espacial a partir da sua “privatização”, teve a mediação de Mauro Wajnberg, presidente da Abrasat, e contou com a participação de mais cinco representantes do setor: Fábio Alencar, presidente do Sindisat; Erika Rossetto, gerente de dinâmica orbital da Embratel Star One; Oscar Delgado, IoT Sales & Business Development Director, Head-Aerospace; Rodrigo Leonardi, Coordenador de Satélites e Aplicações da Agência Espacial Brasileira; Bruno Soares Henriques, head de business development na Latam do Projeto Kuiper da Amazon. Os participantes analisaram temas como o uso responsável do espaço, a questão do lixo espacial, a importância das novas constelações de satélites para as soluções de IoT, e como o Brasil pode participar dessa nova fase da indústria, o chamado New Space, que traz uma série de novas oportunidades. A seguir um resumo das visões dos participantes.

Uso do espaço

O uso responsável do espaço é uma questão cada vez mais crítica. Garantir a sustentabilidade espacial tem se tornado uma grande preocupação. Erika Rossetto considera que o caminho para um uso consciente do espaço é a criação de regras. Ela cita uma iniciativa recente da agência reguladora norte-americana, a FCC, que definiu regras para reduzir o lixo espacial, estabelecendo período máximo de cinco anos para a retirada de órbita dos satélites. “O espaço é um recurso limitado. O caminho é um trabalho conjunto entre empresas e órgãos reguladores. Não acredito em auto-regulamentação do mercado”, disse.

Rodrigo Leonardi está de acordo com a análise. Para ele, não existe solução a curto prazo. “Além das questões mercadológicas, existem questões geopolíticas de defesa. É necessário que haja um diálogo no âmbito das Nações Unidas. Embora ela não tenha poder de definir regras, pode sugerir diretrizes. Essa é uma questão que envolve diplomacia. E o Brasil pode auxiliar nesse diálogo.

Para Fábio Alencar, mais do que evitar colisão entre satélites ou lixo espacial, a regulação é importante para garantir acesso equânime do espaço entre nações. Para ele, sempre há um conflito entre a velocidade das decisões de governo e as demandas do mercado. “Com vários governos envolvidos, como nesse caso, fica mais difícil ainda. Vamos, provavelmente, ser atropelados pelos mercados, principalmente EUA e China, e acabar tendo uma regulação de fato e não a ideal, de direito”, acredita.

Lixo espacial

Outra questão colocada pelo moderador, Mauro Wajnberg, durante o painel foi a respeito do lixo espacial: quem é responsável por ele? Para Erika Rossetto, “hoje, ninguém. Atualmente, só existem iniciativas para tentar mitigar esse problema”. Rodrigo Leonardi, acredita que, atualmente, existe uma espécie de faroeste espacial. Não há gestão do lixo. E algumas nações estão mais adiantadas do que outras na utilização do espaço, inclusive por interesse de defesa. Mas o espaço é um bem de toda a humanidade e sua sustentabilidade depende de todos.

Segundo Bruno Henrique Soares, o problema relacionado à utilização do espaço e consequente aumento de detritos espaciais, agora tornado mais urgente pelo surgimento das megaconstelações de baixa altitude (LEO), é algo que a Amazon leva em consideração no desenvolvimento de seus projetos, como o serviço de banda larga via satélite. Segundo ele, a constelação de mais de 3,2 mil satélites da Amazon já foi pensada considerando-se a questão da sustentabilidade espacial. Isso significa pensar todo o processo em função dessa necessidade: desde o formato do satélite, seu combustível, sistemas redundantes de comunicação e propulsão que permitam o remanejamento ou remoção do satélite.

Mauro Wajnberg, observou que o problema do lixo espacial já está criando oportunidades de negócio para empresas, como a AstroScale, especializada na coleta de detritos espaciais. “As próprias soluções acabam virando negócios”, coloca. Ele considera importante ressaltar que “o satélite não é o vilão, mas o herói do ESG”, na medida em que são os satélites de imageamento e sensoriamento remoto os meios fundamentais para o mapeamento e preservação dos biomas Para Erika, o lixo é um risco para os próprios satélites e não para o meio ambiente.

Internet das Coisas

As constelações LEO e MEO também oferecem oportunidades principalmente no negócio de Internet das Coisas. Em princípio, o papel mais importante das empresas de telecomunicações via satélite é o fornecimento de soluções de transmissão de dados em áreas em que as empresas de comunicações terrestres têm problemas para fazer a cobertura, seja por questões geográficas, seja pela baixa densidade populacional, que pode tornar a operação economicamente inviável.

Oscar Delgado cita o agronegócio como um grande usuário da tecnologia IoT de constelações de satélites. “As principais aplicações de IoT com satélite vieram para aumentar a produtividade no campo”, diz. Segundo Delgado, soluções IoT com conexão satelital garantem uma ampla cobertura territorial, incluindo locais de difícil acesso, que geralmente possuem uma baixa infraestrutura de comunicação. “As soluções oferecem benefícios não apenas para manter uma conexão estável e segura, mas também para estratégias de monitoramento e gerenciamento de dados” explica. A constelação da Head Aerospace oferecerá serviços de IoT do espaço a partir de 2025.

New space

Outro tema discutido durante o painel na Futurecom foi o chamado New Space, a nova era de exploração do espaço caracterizada por um novo tipo de corrida espacial: aquela entre empresas e não entre nações.
Essa nova fase conta com a presença de novos players, ciclos mais curtos de desenvolvimento de satélites, com custos menores, em que várias startups estão sendo bem-sucedidas. E como o Brasil pode tirar proveito desse novo cenário?

Para Rodrigo, o Brasil tem expertise em satélite de pequeno porte e, sob esse ponto de vista, está apto a participar desse momento. Mas o país tem falhado no modelo de negócios. “As empresas apresentam projetos ao governo e o governo tem recursos limitados para investir. O New Space é uma oportunidade, mas a iniciativa privada tem que participar”, diz.

Rodrigo cita a base espacial de Alcântara, no Maranhão, como exemplo de infraestrutura nacional importante para a inserção do Brasil nesse novo contexto. E lembra do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas assinado entre os governos do Brasil e EUA, em 2019, que envolve a exploração da base de Alcântara para atividades espaciais por empresas norte americanas e as proteções que esses agentes terão no desenvolvimento de ações no local, como lançamento de foguetes e satélites. O acordo já despertou o interesse de algumas empresas para uso da base já a partir de 2023. Segundo Rodrigo, está previsto um lançamento comercial experimental em dezembro deste ano.

Para Fábio Alencar, o Brasil tem condições de participar desta nova onda de desenvolvimento da tecnologia espacial, com recursos humanos qualificados, infraestrutura adequada, como a base de Alcântara, e um grande mercado consumidor de serviços via satélite. Mas a participação do Brasil nesse novo momento da indústria depende de algumas condições macroeconômicas, como um mercado mais aberto e integrado globalmente, para que as empresas possam atrair investimentos estrangeiros e reduzir o impacto do chamado “custo Brasil”.