As mulheres brasileiras que fazem história na indústria de satélites

Mulheres e satélite

Em um segmento que ainda há pouca participação das mulheres, a Abrasat destaca a participação pioneira e decisiva de executivas na indústria de telecomunicações por satélites 

Segundo dados das Nações Unidas, o número de mulheres empregadas na indústria espacial, que inclui o setor de satélites, representa apenas 20-22% da força de trabalho, aproximadamente a mesma proporção de 30 anos atrás. Se em quantidade a participação das mulheres parece não ter mudado muito, sua importância e visibilidade têm se alterado ao longo das décadas. Há três anos, por exemplo, foi fundado o grupo SSPI-WISE (Women in Space Engagement), que reúne mulheres do setor para dar visibilidade ao impacto da presença feminina na indústria, capacitar, conectar e gerar networking para troca de informações e experiências.

No Brasil, várias profissionais têm se destacado já há algumas décadas, desde as pioneiras, como Tânia Regal – engenheira que entrou para o setor em 1984, na Embratel, até aposentar-se em 2015, na Embratel Star One – até as contemporâneas Michelle Caldeira, diretora jurídico-regulatório da SES, Carla Pieroni, business manager na Telesat, Erika Rossetto, Gerente de dinâmica Orbital da Embratel e Sabrina Ferrari, VP Legal Regulatory Compliance & Privacy da Hughes. Conversamos com essas mulheres para saber suas visões sobre as transformações pelas quais o setor de satélites vem passando, seus desafios atuais e no início da carreira e um panorama sobre a posição e atratividade do setor para as mulheres nos dias de hoje. Veja o que elas disseram.

As transformações pelas quais essa indústria está passando

Michelle – “O setor está realmente passando por uma transformação. Há novos players no mercado, mega-constelações sendo lançadas, preocupações com a sustentabilidade do espaço, mais competição, consolidações ocorrendo. Com relação às novas tecnologias, eu diria que a palavra do momento é “multi-órbita”. A sociedade moderna está demandando cada vez mais conectividade, e eu não acredito que nenhuma empresa sozinha ou uma única tecnologia conseguirá suprir essa demanda, e isso vale para o satélite e para os serviços terrestres. Acho que será cada vez mais comum vermos a integração de redes terrestres com redes não-terrestres para o provimento de conectividade para todos, a qualquer hora e em qualquer lugar. Acredito que cada diferente tecnologia tem sua relevância e há espaço para todas.”

Carla – “A principal novidade que me chama atenção é que a indústria de satélites está se tornando mainstream. Se há pouco tempo causava estranheza trabalhar em uma operadora de satélites, isso vem mudando a cada dia. A mídia “tradicional” passou a trazer informações sobre o uso de satélites com mais frequência e de como eles compõem a rede necessária para que a comunicação aconteça a toda hora, em todo lugar. O cliente final quer que a comunicação ocorra sem sobressaltos, não importa qual tecnologia está sendo empregada, muito menos em qual órbita os satélites estão. Acredito que ainda surgirão novos usos para essa comunicação “sem barreiras” e com cada vez maior capacidade de tráfego. A tecnologia que conseguir proporcionar esse resultado pelo menor custo será a escolhida em cada situação e várias delas vão trabalhar em conjunto para alcançar esse objetivo.

Erika –  “Estamos vivendo um momento de grande revolução no setor espacial. Apesar de não ser um conceito novo, as constelações de órbita baixa estão transformando o uso do espaço pela maneira com que estão sendo utilizadas. Junto com os inúmeros satélites em um mesmo sistema, elas trazem um conjunto de inovações e desafios. Como o da sustentabilidade espacial: como operar tantos satélites com segurança? Para garantir o uso seguro do espaço novas soluções estão surgindo, assim como novas diretrizes de órgãos reguladores. Para o mercado corporativo, satélites geoestacionários continuam sendo de extrema importância, especialmente pela sua capacidade de cobertura. Novos modelos de negócios estão surgindo em paralelo ao aumento da demanda pelos serviços no mercado de satélites. Regimes orbitais diferentes podem expandir a capacidade de atuação de uma empresa, permitir alcançar novas regiões e otimizar custo/benefício com parcerias Inter organizacionais.”

Sabrina – “É muito interessante acompanhar as mudanças desse setor. As mudanças não são só internas, relacionadas à atualização tecnológica e ao surgimento de novos entrantes. Mas vejo como uma grande transformação o modo como os demais mercados têm recepcionado a comunicação via satélite, estendendo seu uso a diversos setores, para as mais complexas aplicações. E isso tudo é fantástico! Oportunidades de novos negócios e restruturações societárias acompanham o ambiente tecnológico naturalmente, e hoje, um diferencial e principal desafio dessa indústria, com certeza, será organizar essa orquestra de (novos) satélites, flutuando pelas órbitas, em uso ou não, e principalmente por aquelas ainda a serem exploradas.”

Tânia – “As mudanças nos últimos anos e aquelas por vir garantem a relevância do setor e impedem que se torne obsoleto. Resta às empresas verificar quais novidades estão em linha com seus objetivos de negócios, analisar e apostar quais tecnologias terão sucesso. O uso de aparelhos pessoais em larga escala com aplicações que exigem mais faixa e menor delay, exigiu que a indústria de satélites buscasse faixas de frequências com uma maior banda disponível e projetasse redes de múltiplos satélites em baixa órbita. Redes similares já foram tentadas anteriormente, mas as dificuldades financeiras e técnicas inviabilizaram o projeto. Creio que a tecnologia agora esteja mais madura embora o lançamento e manutenção da constelação em órbita ainda seja um desafio. Viagens interplanetárias ainda me parecem futuristas, embora se tenha certeza que vão requerer terminais de comunicação no espaço como satélites. Uma preocupação das empresas em geral deve ser como reduzir o lixo em órbita. Com a multiplicação de redes de satélites de órbitas baixas com centenas de satélites pequenos, com curta vida útil, será um desafio para a UIT regulamentar a forma eficiente de descarte de satélites antes que satélites em operação passem a se chocar, com frequência, com lixo em órbita.”

O principal desafio quando iniciou no setor

Carla – “Comecei a atuar na área de satélites bastante jovem e trazendo uma visão de foco no cliente e no mercado. Naquele momento a indústria ainda era muito voltada para a tecnologia em si e não para o que o cliente buscava. Essa divergência de pontos de vista, por vezes, causava conflitos que foram aos poucos se dissipando. Com o passar do tempo vejo que os profissionais e a indústria estão amadurecendo e enxergando que no mundo corporativo a tecnologia deve estar voltada a atender às necessidades dos clientes e não o contrário.”

Erika – “O setor de satélites é composto por pessoas altamente capacitadas e que, em geral, permanecem por muito tempo. Por essa razão, quem inicia nessa jornada, tem o desafio de conquistar credibilidade. Para mim, isso foi um grande desafio, pois o trabalho no segmento é muito crítico e não podemos dar margem para erros. Com o tempo, fui adquirindo mais experiência e a interação com os outros profissionais mais experientes ficou mais equilibrada, mostrando que há lugar para todos conquistarem seu espaço.”

Sabrina – “No início da minha transição de mercado – escritório de advocacia para mercado de telecom/satélite, o principal desafio não foi somente o fato de ser mulher, num meio tão masculino, que possivelmente criou uma resistência inicial que foi vencida. Mas ser mulher e advogada. Inicialmente os colegas engenheiros me olhavam de canto de olho, esperando que eu tirasse alguma Resolução/Lei/ decisão do STF do bolso e declamasse frente alguma oposição. Logo eu, que busco ser objetiva e prática nas conversas, tentando me afastar completamente do estereotipo do advogado tradicional.”

Tânia – “A maior dificuldade foi ingressar na área de satélites sem conhecimento prévio sobre o assunto. Os satélites começavam a ser utilizados e, no Brasil, era uma tecnologia utilizada somente pela Embratel. Não havia demanda nem know-how para que o tema fosse incluído no curso de engenharia telecomunicações. Todo treinamento teve que ser feito dentro da empresa e só anos depois foi incluído nos currículo das universidades.”

Michelle – “O meu desafio inicial foi compreender a indústria. Eu vinha do serviço móvel e a indústria de satélite era um mundo novo para mim. Como advogada, sem background técnico, tive que aprender sobre espectro de radiofrequência, sobre a operação de um satélite; área de cobertura; interferência e sobre a própria regulamentação do setor. Hoje meus colegas brincam dizendo que sou uma “advogada-engenheira”. No início foi difícil. Mas nunca pensei em desistir e hoje, posso dizer, que sou uma voz respeitada e conhecida no setor.”

Um desafio atual como profissional do setor

Erika – “Atualmente, acredito que um grande desafio é se manter atualizado com tanta novidade e avanço chegando ao setor e, ao mesmo tempo, garantir o bom rendimento do trabalho. Sobretudo, em relação à segurança em órbita, área em que atuo diretamente. É preciso analisar se tudo que está surgindo é aplicável ao que já temos em operação, além de checar se os protocolos que temos hoje são suficientes para o cenário futuro. Equilibrar esses dois lados é desafiador.”

Sabrina – “Num período tão dinâmico, com tantas atividades, ideias, estudos e ações, meu desafio é acompanhar as negociações e poder contribuir para o desenvolvimento da companhia e, por que não, mesmo que timidamente, para o cenário nacional.”

Tânia – “Não estou atuando no setor e, apesar do interesse no assunto, é difícil me manter completamente atualizada diante das mudanças rápidas e constantes no setor. Acho que esse é um grande desafio dos atuais profissionais de áreas ligadas à tecnologia.”

Michelle – “Estamos em ano da Conferência Mundial de Radiocomunicações, que ocorrerá em novembro, em Dubai, e eu diria que o meu desafio atual será o de bem representar os interesses do setor na WRC.”

Carla – “O meu maior desafio atual, e acredito que de todos os profissionais do setor, é me manter atualizada com todas as inovações tecnológicas, fusões e aquisições, e novas aplicações, sem perder o foco de como isso vai beneficiar o cliente final. As mudanças estão apenas começando e vamos passar por um período de transição que pode durar alguns anos. Ainda teremos muitas emoções à nossa frente.”

A mulher no setor satélites

Sabrina – “É um setor que tem forte participação internacional e que busca a equidade de gênero. É um setor regulado e até então pouco divulgado. Temos poucos “especialistas” aqui no Brasil. E há muito a desbravar. E, graças aos esforços da Anatel e as delegações brasileiras passadas, o Brasil é muito bem-visto e respeitado nas reuniões internacionais. Assim, aquelas que têm real interesse no mercado, gostam de estudar e estar envolvidas em discussões internacionais, recomendaria fortemente.”

Tânia – “O setor é atrativo para todos os profissionais, pois engloba uma gama de interesses e aptidões: engenheiros podem atuar nos projetos, nos cálculos, nos laboratórios de equipamentos ou do satélite, físicos e astrônomos no controle das órbitas, advogados nas áreas regulamentares, além de economistas, profissionais de perfil comercial. É uma área múltipla.”

Michelle – “Eu não diria que o setor satélites seja um setor atrativo para as mulheres. É um setor ainda dominado por homens. Eu acho que a barreira de entrada começa com a educação. Sabemos que as mulheres em cursos de graduação de engenharia são a minoria. Há algumas iniciativas por parte da UIT, como o Network for Women e outros organismos internacionais para empoderar mulheres e meninas em STEM, o que inclui o satélite, mas ainda temos muito o que evoluir. No entanto, é um cenário que acredito tende a mudar até 2030, porque muitas empresas passaram a adotar iniciativas para alcançar a paridade de gênero, especialmente em cargos de liderança. Eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para incentivar as mulheres a perseguirem carreiras neste setor. É um setor pujante, dinâmico, com muitas oportunidades de progressão de carreira.”

Carla – “Este é um setor que está passando por transformações em um ritmo acelerado, como nunca havia acontecido antes. Como toda mudança, traz oportunidades e desafios. Vejo como um excelente momento para as mulheres aumentarem sua participação e buscarem oportunidades de crescimento profissional.”

Erika – “É um mercado no qual a atuação feminina ainda é pequena e só isso já deveria atrair mais mulheres, pois não há nada que impeça nossa atuação no setor. Também é interessante pensar que é uma área multidisciplinar, em que há espaço para desenvolver múltiplas habilidades, algo que, em geral, nós, mulheres, fazemos muito bem.”