Satélites num marco regulatório evolutivo

Por: Fábio Leite – VP Regulatório – INMARSAT

A importância do uso de satélites para o desenvolvimento econômico e bem estar social dos povos e populações é inquestionável. De uma maneira ou de outra, quase todos os setores dependem da tecnologia de satélite – da agricultura ao setor bancário e ao transporte. Os satélites ajudam a salvar vidas em emergências e fornecem conhecimento crítico sobre como proteger melhor o meio ambiente. Segundo a UIT (União Internacional de Telecomunicações), eles já são vitais para acelerar o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas – especialmente com inovações que podem oferecer soluções mais econômicas para conectar os não-conectados e fornecer melhores serviços.

Pequenos satélites (“smallsats”), satélites de alto rendimento (HTS), satélites com propulsão totalmente elétrica e satélites com órbita baixa da Terra (LEO) estão entre as inovações revolucionárias que permitem uma variedade de soluções, desde serviços financeiros digitais a melhores serviços de saúde a cidades mais inteligentes.

A evolução tecnológica na área espacial tem permitido desde os anos 1970 aos satélites de comunicação fornecer conexões ponto-a-ponto em regiões de grande extensão, incluindo os oceanos, e difícil acesso, distribuição de sinais de radiodifusão de TV e áudio, “backhaul” para redes de comunicações terrestres, conectividade, Internet de alta capacidade para plataformas fixas e móveis, como para passageiros e tripulação em aviões e navios, assim como ligações entre objetos conectados (IoT). No contexto do ecossistema 5G, é incontestável que o satélite desempenhará um papel fundamental, já que será ainda mais vital para várias áreas como mobilidade, distribuição de vídeo e backhaul de celular, entre outras.

Por sua natureza própria, o uso de satélites requer a aplicação de tratados internacionais que incluem o compartilhamento do espectro de radiofrequências e acordos bilaterais entre países, geridos pelo Regulamento de Radiocomunicações da UIT.

A UIT em seu portal web fornece uma completa e interessante lista de eventos e conferências com informações sobre a história das radiocomunicações que inclui todos os detalhes sobre as conferências de rádio desde a primeira realizada em 1903 em Berlim. Ali verificamos que em seguida ao lançamento do Sputnik no fim dos anos 1950 e os primeiros satélites de comunicações nos anos 1960, a UIT organizou em 1963 a primeira conferência mundial para estabelecer atribuições de frequência para vários serviços espaciais. Este evento pioneiro foi seguido por muitas outras conferências onde se estabeleceram não somente novas gamas de frequências como regulamentos próprios aplicáveis a serviços espaciais planificados ou não.

O Brasil entrou na era espacial já nos anos 1970, sendo o primeiro país a utilizar segmento espacial alugado para suas comunicações domésticas.  O lançamento do Brasilsat A1 em 1985, como elemento inicial do Sistema Brasileiro de Comunicações por Satélite (SBTS), foi um marco importante para solidificar a presença do Brasil no então restrito clube das nações espaciais. Quase meio século depois, as necessidades inerentes ao crescimento do país e os avanços tecnológicos fizeram do Brasil um dos maiores utilizadores de sistemas espaciais, incluindo satélites comerciais e científicos, geoestacionários ou não, operando em várias bandas de frequências. Ao mesmo tempo, foi criado um marco regulatório administrado pela ANATEL; uma agência espacial (AEB) incluindo programas de um Veículo Lançador de Satélite (VLS) – em parceria com as áreas militar e industrial, assim como de um nano-satélite desenvolvido por meio de um consórcio acadêmico; foram fomentadas através do INPE aplicações de observação da Terra, coleta de dados e sensoriamento remoto, utilizando satélites científicos de produção brasileira. Mais recentemente, o esforço brasileiro para desenvolver capacitação na área espacial, atendendo uma demanda de cobertura ao Plano Nacional de Banda Larga e necessidades da área de defesa. culminou com o programa do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC), onde o governo e a indústria espacial participaram conjuntamente através da Telebrás e da Visiona Tecnologia Espacial. Atualmente, diversas empresas operam sistemas por satélite no Brasil, nacionais e estrangeiras, com redes geo e não-geo, em diferentes faixas de frequências, proporcionado uma salutar sinergia entre as áreas comercial e institucional relevante para o desenvolvimento do país.

A continuidade e expansão de todo esse dinamismo na área espacial não só depende de uma política espacial assertiva e pragmática, como também de um quadro regulatório propício, tanto a nível nacional quanto internacional. Dada a característica das redes espaciais em que o tempo de substituição da tecnologia depende da duração em órbita dos satélites da rede e o resultante alto valor do investimento inicial (projeto, construção, lançamento, testes, etc.), requerem uma grande estabilidade dos regulamentos aplicáveis, incluindo a atribuição de frequências e as regras de seu compartilhamento. Com conferências mundiais da UIT (CMRs) ocorrendo a cada 3 a 4 anos, onde as pautas ligadas a serviços espaciais são as mais numerosas, assim como a pressão a nível nacional para adaptar-se ao contexto internacional, a pressão regulatória sobre a indústria espacial é bastante elevada, podendo dificultar uma progressão segura e serena dos projetos comerciais e governamentais de grande importância para o desenvolvimento sustentável do país.

A Consulta Pública No. 51/2020 da ANATEL sobre a revisão do Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências (RUE) é uma etapa importante na atualização do marco regulatório brasileiro, com impacto em todos os serviços de rádio, incluindo os que utilizam satélites. Igualmente, inicia-se este ano no âmbito internacional a fase preparatória da CMR-23, onde vários itens da agenda têm grande pertinência para os serviços espaciais. Nesse contexto competitivo entre os interesses dos diferente serviços e desafiante quanto manter a estabilidade necessária e a perspectiva de crescimento da indústria espacial, conta-se acima de tudo com que o governo e o regulador exercerão um tratamento equilibrado desses interesses, tomando em conta o papel vital dos satélites nas metas do desenvolvimento sustentável.