O futuro da televisão aberta brasileira está em construção — e ele passa pela convergência entre a TV 3.0 e as transmissões via satélite. O tema foi debatido em profundidade durante o painel “TV 3.0 e satélites: as lições da TVRO e o futuro do broadcast”, realizado no Congresso Latinoamericano de Satélites. O encontro reuniu representantes do governo, operadoras, fabricantes e associações do setor: Wilson Wellich, secretário de Radiodifusão do Ministério das Comunicações; Sérgio Ribeiro, VP de Operações da Sky; Yvan Cabral, CEO da Vivensis; Eduardo Padilha, gerente comercial da Speedcast; e Paulo Henrique Castro, presidente da SET. A moderação foi conduzida por Samuel Possebon.
O debate, que partiu da bem-sucedida migração da TVRO em banda C para a banda Ku, se desdobrou em um panorama técnico, político e industrial sobre o papel do satélite no ecossistema da TV 3.0 e na evolução do broadcast no país.
Segundo o secretário Wilson Wellich, o Ministério das Comunicações está concentrando esforços na implantação da TV 3.0 terrestre para que o novo padrão esteja plenamente funcional até a Copa do Mundo de 2026. Esse é o marco definido no decreto presidencial que regulamenta a nova geração da televisão aberta no Brasil.“O nosso foco principal agora é cumprir esse programa e entregar a TV 3.0 terrestre até a Copa. Mas o decreto já nos permite avançar em políticas públicas também para mobilidade e satélite”, afirmou Wellich.
O secretário reconheceu, porém, que o ministério trabalha com equipes enxutas, o que exige uma priorização de ações. Ainda assim, há diálogo ativo com associações e representantes da indústria de satélites, que já discutem possíveis tecnologias e caminhos de integração com a TV 3.0.
Wellich também revelou que, após a publicação do decreto da TV 3.0, o ministério deve retomar as discussões com a Casa Civil sobre a regulamentação da TV via satélite — um tema que está em espera há quase dois anos — e sobre um novo decreto de desburocratização da radiodifusão, que pretende modernizar e simplificar processos regulatórios.
TVRO: inclusão digital e novo ciclo de negócios
O painel também analisou o legado da migração da TVRO (as parabólicas tradicionais) da banda C para a banda Ku, processo que distribuiu mais de 5 milhões de kits gratuitos e movimentou o mercado varejista, que já soma cerca de 15 milhões de famílias com antenas e receptores instalados.
Para Sérgio Ribeiro, da Sky, o projeto “Siga Antenado” foi um caso de sucesso tanto técnico quanto social. “Foi um projeto de inclusão espetacular. Ele garantiu que milhões de brasileiros continuassem recebendo o sinal aberto em qualidade superior, sem custo”, destacou.
Ribeiro explicou que, embora o programa público esteja em fase final, o mercado entra agora em uma etapa que ele define como “venda orgânica” — um ciclo sustentado pela reposição e atualização dos equipamentos, além de novas oportunidades comerciais.
Ele destacou ainda a diversificação do portfólio da Sky e do grupo Ethem, que também atua no segmento da chamada “Nova Parabólica”, um produto gratuito de TV aberta com opção de complementação por conteúdos pagos sob demanda. “É um mercado que continua relevante e que deve manter um volume mensal expressivo de ativações. Mesmo quando o antigo sistema da banda C já estava no fim, ainda se vendia metade do volume atual. O mercado de reposição é perene”, avaliou.
Além disso, Ribeiro antecipou a chegada de equipamentos híbridos, capazes de combinar sinal de satélite e aplicativos de streaming, dentro da mesma plataforma. “Os fabricantes estão evoluindo rapidamente, e essa integração vai pavimentar o caminho para a TV 3.0”, completou.
A base da TVRO como plataforma para a TV 3.0
O CEO da Vivensis, Yvan Cabral, trouxe dados que confirmam o vigor do mercado. Entre agosto e setembro, a empresa registrou uma média de 238 mil ativações mensais, sendo cerca de 218 mil vendas no varejo e 20 mil via o programa Brasil Antenado.
Cabral explicou que essa base instalada abre espaço para a evolução tecnológica dos receptores, que agora caminham para modelos híbridos e conectados. O receptor híbrido da Vivensis, por exemplo, combina a recepção de canais abertos com acesso a aplicativos Android, como Netflix e Amazon Prime Video.
“O consumidor quer assistir TV e streaming no mesmo equipamento. Os aparelhos com Android 14 já oferecem uma experiência de uso muito superior. Mas o preço ainda é uma barreira, e a TV 3.0 pode trazer a escala necessária para reduzir custos e massificar essa tecnologia”, destacou.
Cabral também lembrou que a Vivensis lançou o primeiro receptor compatível com a TV 3.0 terrestre, com interface baseada em aplicativos de canais — modelo que deverá ser adotado também na versão via satélite.
Convergência e continuidade tecnológica
O presidente da SET (Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão), Paulo Henrique Castro, situou a discussão em uma perspectiva mais ampla: a da convergência de plataformas e da continuidade tecnológica da radiodifusão brasileira. “A radiodifusão brasileira tem protagonismo mundial. Nossa engenharia está à frente em debates técnicos internacionais e na criação de padrões, como foi com o ISDB-T e agora com a TV 3.0”, afirmou.
Castro destacou que, para o público, pouco importa o meio de transmissão — terrestre, satélite, 5G, IP ou fibra —, e sim a experiência de consumo. “O telespectador quer conteúdo personalizado, interativo e de qualidade. As tecnologias precisam se integrar para garantir isso”, disse.
A SET, segundo ele, está reestruturando seus grupos de trabalho sobre TV 3.0, migração das parabólicas e 5G broadcast, buscando alinhamento técnico e de padronização entre os diversos ecossistemas. O objetivo é desenvolver uma camada de software comum que permita que os conteúdos sejam produzidos uma única vez e entregues de forma uniforme em múltiplas redes. “O desafio é que a experiência do usuário seja a mesma, independentemente da rede. O caminho é a convergência completa”, concluiu.
A TV 3.0 via satélite: mesmo padrão, novas possibilidade
Encerrando o painel, Eduardo Padilha, da Speedcast, trouxe uma visão técnica sobre o processo em curso no Fórum SBTVD, que já estuda a implantação da TV 3.0 via satélite.
Padilha explicou que o grupo trabalha para que a TV 3.0 use a mesma camada de transporte de dados da TV terrestre, garantindo compatibilidade técnica e uniformidade de experiência. A diferença estará apenas na modulação física do sinal, que, em vez de ser transmitido “over the air” (OTA), será enviado por meio de DVB-S2 ou S2X. “A TV 3.0 é, na prática, um ambiente de internet. Quando o usuário estiver assistindo, ele nem precisará saber se o conteúdo vem via streaming, satélite ou ar. A experiência será a mesma”, explicou.
Padilha destacou ainda que a TV 3.0 via satélite permitirá recursos avançados, como vídeo 4K, áudio imersivo, regionalização de sinal e aplicativos broadcast, mesmo em localidades sem conexão à internet. Ele sugeriu que a Copa do Mundo de 2026 poderá marcar o lançamento dos primeiros receptores compatíveis com a TV 3.0 via satélite, oferecendo ao público uma transição suave entre o modelo atual e o novo padrão.
O desafio da convergência
O consenso entre os debatedores é que a integração entre satélite, terrestre e banda larga será o eixo central da próxima fase da radiodifusão brasileira. A migração da TVRO demonstrou a capacidade técnica e institucional do país para coordenar grandes transições, e agora o desafio é ampliar essa experiência para a era da TV 3.0 — uma televisão mais conectada, interativa e universal.
Como resumiu Paulo Henrique Castro, da SET: “O que está em jogo não é apenas um novo padrão de TV, mas uma nova forma de pensar a radiodifusão. A TV 3.0 não é só terrestre, nem só satelital. É a televisão que vai integrar todas as plataformas e colocar o espectador no centro da experiência.”


