O painel “Perspectivas de evolução do 5G e redes NTN”, realizado no Congresso Latinoamericano de Satélites, evidenciou o avanço da integração entre os serviços móveis de quinta geração (5G) e as comunicações via satélite. A união dessas tecnologias começa a moldar o que especialistas chamam de “rede das redes”, um conceito que antecipa a próxima era das telecomunicações – o 6G.
Entre os debatedores, o diretor do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), Carlos Nazareth, destacou que o setor vive uma transição importante: “no início das discussões sobre o 5G, ainda havia uma separação clara entre o uso satelital e as formas de onda móveis. Hoje, com o 6G, já falamos em uma tridimensionalidade das telecomunicações, considerando o espaço como parte essencial da rede”, explicou.
O debate contou também com Stephan Bernard Baró, head de desenvolvimento de negócios da Sateliot; Ricardo Pellicciari, diretor de vendas Latam da Telesat; e Javier Izquierdo Martín, diretor de estratégia da Hispasat.
Nazareth revelou que o Inatel já trabalha nos testes e normativas do 6G e participa ativamente da definição de padrões técnicos internacionais, contribuindo com o 3GPP e outros organismos globais. Uma das frentes de pesquisa envolve o uso de antenas com meta-materiais e processamento de dados via rádio definido por software (SDR) — soluções que prometem ampliar a banda de operação e otimizar a filtragem de sinais.
Complementaridade entre redes terrestres e satélites
O diretor do Inatel enfatizou que o mercado de satélites deve ser visto como complementar, e não concorrente, às redes móveis tradicionais. “Um bom exemplo disso é uma viagem que costumo fazer, entre Santa Rita do Sapucaí e Belo Horizonte, em que há longos trechos sem cobertura de rede. Essa lacuna é uma oportunidade que os serviços satelitais podem preencher”, observou.
Na visão do pesquisador, o 6G será construído com base nesse princípio de complementaridade tecnológica, permitindo que diferentes infraestruturas — fibra óptica, redes móveis e satélites — operem de forma coordenada para garantir conectividade contínua e eficiente.
Desafios técnicos e mudança de paradigma
Apesar de o 5G ainda estar em implantação, Nazareth lembra que suas formas de onda têm origem em tecnologias de mais de duas décadas. O 6G, por sua vez, trará uma mudança tecnológica profunda, com novos padrões de modulação e menor interferência espectral.
“Se migrarmos para formas de onda mais modernas, como o FTN, poderemos operar com potências até 20 vezes maiores e interferência significativamente menor”, explicou. Essa evolução será decisiva para ampliar o uso do espectro — um recurso escasso e caro — e para permitir o convívio harmonioso entre múltiplos sistemas de telecomunicações.
Com o avanço das pesquisas e a convergência entre os setores de telecomunicações e satélites, o 6G começa a se desenhar como uma rede digitalmente mais inteligente, espacialmente integrada e energeticamente eficiente.
“É a primeira vez que falamos de uma rede com operacionalidade tridimensional, em que as formas de onda trafegam de maneira transparente por qualquer meio — terrestre, aéreo ou espacial”, concluiu Nazareth.
Ricardo Pellicciari e Javier Izquierdo apresentaram visões complementares sobre o avanço das redes não terrestres (NTN) e o papel do 5G na integração entre infraestrutura espacial e terrestre e como essa convergência tecnológica pode transformar o mercado de telecomunicações e expandir a conectividade em regiões remotas.
Interoperabilidade e eficiência
Ricardo Pellicciari destacou que a Telesat sempre operou como fornecedora de infraestrutura satelital para operadoras e provedores de serviços, sem atuar diretamente junto ao usuário final. Segundo ele, a nova geração de satélites da companhia, a constelação Lightspeed, foi desenvolvida com o objetivo de aprimorar essa arquitetura de rede — reduzindo a latência e melhorando a interoperabilidade com as redes terrestres.
“Queremos que a rede satelital funcione de forma contínua com as redes terrestres, de maneira ‘seamless’, sem a necessidade de interfaces complexas ou técnicos especializados para cada instalação”, afirmou. A proposta, segundo o executivo, é oferecer às operadoras uma plataforma capaz de estender redes 4G, 5G e futuramente 6G, mantendo as vantagens da comunicação via satélite, como confiabilidade e qualidade de serviço (SLA).
Inclusão digital e novos modelos de negócio
Já Javier Izquierdo, abordou as oportunidades que o 5G NTN abre para a América Latina, destacando o potencial de inclusão digital e a criação de novos modelos de negócio. “Nosso objetivo é que, independentemente de a rede ser terrestre ou satelital, no final ela funcione como uma única rede”, explicou. A empresa vem preparando a próxima geração de satélites já compatíveis com o padrão 5G NTN, o que permitirá uma integração nativa entre as duas infraestruturas.
De acordo com Javier, essa evolução será fundamental para ampliar a cobertura em áreas onde o investimento em infraestrutura terrestre é inviável, como regiões rurais e de difícil acesso. Além disso, a interoperabilidade permitirá que dispositivos IoT (Internet das Coisas) possam se conectar de forma transparente entre redes terrestres e satelitais, impulsionando setores como agricultura, logística e segurança pública.
Outro ponto enfatizado foi a resiliência das redes. A presença de uma camada satelital integrada à infraestrutura 5G terrestre garante maior continuidade em situações de emergência e viabiliza o uso de redes privadas 5G híbridas, combinando os dois tipos de conectividade — uma solução que tende a se tornar economicamente viável nos próximos anos.
IoT e redes não terrestres
Para Stephan Bernard Baró, o Brasil desponta como um dos mercados mais promissores para a próxima geração de conectividade via satélite voltada à Internet das Coisas (IoT). Segundo o executivo, a Brasil reúne características únicas para o desenvolvimento de soluções IoT por meio de redes não terrestres (NTN), padrão definido pela 3GPP. “O Brasil é, com certeza, um dos países que mais nos interessa. Acreditamos que ele pode se beneficiar muito de um serviço de conectividade IoT padronizado, eficiente em custos e integrado com as operadoras”, afirmou.
Pra Stephan, o país já se destaca entre os líderes mundiais em pesquisas e desenvolvimento de tecnologias NTN e NB-IoT, com participação ativa de operadoras, fabricantes de chips e módulos, e do próprio órgão regulador. “Os níveis de demanda que estamos vendo aqui são impressionantes”, destacou.
A empresa já mantém parcerias locais e prevê o início de provas de conceito (POCs) ainda neste ano, com o lançamento comercial do serviço em 2026. As aplicações iniciais devem concentrar-se em casos de uso delay tolerant, como monitoramento agropecuário, rastreamento logístico e utilities, antes de evoluir para serviços em tempo real, à medida que a constelação de satélites se expanda.
Com quatro satélites comerciais em operação, a companhia atua hoje em conectividade de baixa largura de banda — voltada a sensores e dispositivos que transmitem pequenas quantidades de dados algumas vezes ao dia. A tecnologia adota a banda S (N256), definida pela 3GPP para comunicações NTN NB-IoT, e se apoia em dispositivos padronizados que podem operar com simples atualizações de firmware. Isso facilita a interoperabilidade entre soluções em bandas L e S — ambas incluídas no Release 17 da 3GPP — e reduz o risco de dependência tecnológica.
O futuro será híbrido e colaborativo
O painel encerrou destacando uma visão comum entre as companhias: a de que o futuro das telecomunicações será híbrido, colaborativo e escalável, combinando as vantagens das redes terrestres e espaciais para garantir conectividade universal, maior eficiência e novas oportunidades de negócios no ecossistema digital latino-americano.


